terça-feira, 13 de março de 2007

do meu primeiro livro de poesia

CERTEZA

Onde os sonhos de glória e de riqueza
Cujo clarão me entontecia?
Se lhes levanto a mão, a mão descai-me fria...
Não tenho fome, já, nem tenho mesa.

Por Ti perdi o gosto de vencer
(Nenhum triunfo me consola)
E da contínua dor fiz meu maior prazer,
E a quem me fez sofrer apanho a esmola.

Onde o ferver do sangue, o riso aberto,
A boca rubra, o olhar em chamas?
Por Ti cobri de cinza o coração deserto,
E sobre o chão queimado fiz a cama.

Onde aquele calor da carne viva,
Do coração vibrante e humano?
Por Ti desse absoluto amor dona-cativa,
Minh'alma em tudo mais só viu engano.

Por Ti desiludi quem me queria
Como no mundo nos queremos,
Não tendo mais que dar que esta alma abstracta, - fria
A tudo que não sejam Teus extremos.

Por Ti tudo perdi, desiludido
De quanto é belo mas não Teu,
Até perder, por fim, todo o comum sentido
Do que antes distinguia em terra ou céu.

Que terra, inferno, céu, me és Tu, mais nada!
Por Ti chamei o mesmo a tudo,
E a terra que nos pés trazia inda pegada,
A esfarelei com o meu desprezo mudo.

Sim, meu só mundo és Tu! Tu o meu céu!
Tu meu inferno, se te ausentas!
E como, já, poder distinguir Tu ou eu,
Se eu não sou eu quando me não sustentas?

Por Ti vivo no tempo a eternidade,
Por Ti morri antes de morto!
E houveras Tu, Amor, de não ser realidade,
Mar em que me eu afogo e único porto?

E houvera de ser eu tal dependência
Dum sonho meu sem baluarte?
Ah, se fora só minha essa Tua existência,
Como pudera eu não acusar-Te?!

José Régio
in "Mas Deus é Grande"

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